quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Entrevista com a Drª Lygia da Veiga Pereira (Parte 1)


Lygia da Veiga Pereira: carioca, 43 anos de idade, cientista do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) formou-se em Física pela PUC e fez doutorado em Genética Humana Molecular no Mount Sinai Medical Center, em Nova York. Esta pesquisadora brasileira é mundialmente conhecida por ter sido pioneira nas pesquisas sobre células-tronco, já que sua equipe foi a primeira a conseguir extrair e multiplicar células-tronco retiradas de embriões congelados em clínicas de fertilização de São Paulo.

 Diversas vezes convidada para participar em entrevistas e debates nos mais consagrados jornais, rádios e canais de TV nacionais e internacionais, Lygia Pereira é uma pessoa que, além do seu profundo conhecimento científico, se mostra descomplicada no diálogo, incisiva e pragmática. Talvez por isso tenha sido convidada para desempenhar as funções de consultora dos atores na novela O Clone, apresentada pela Rede Globo. Lygia Pereira integrou também, e por diversas vezes, inúmeras comitivas de cientistas que se deslocaram a Brasília para conscientizar as autoridades sobre a importância de se prosseguirem os estudos com embriões no Brasil. 

Foi com esta mulher e cientista extraordinária que tivemos o prazer de conversar, um diálogo que começou na sua paixão científica – células-tronco – e finalizou na política científica do Brasil.
A terapia celular vem ocupando, desde há alguns anos, um espaço enorme de divulgação, principalmente na mídia. Para Lygia Pereira, essa mídia tende a apresentar os pequenos avanços que foram feitos nessa área de uma forma muito sensacionalista, até porque existe uma expectativa muito grande da população e dos pacientes em terem resultados positivos e de essas promessas poderem virar realidade. Assim, segundo a pesquisadora, qualquer pequeno avanço é notícia de primeira página: 


Isso faz com que a população – os leigos – tenha uma percepção de que a terapia com células-tronco já seja uma realidade e que nós já estejamos tratando derrames, infartos diabetes através desse procedimento. Tudo isso é ainda uma promessa. As únicas terapias que estão consolidadas, utilizando células-tronco, e que qualquer médico pode aconselhar, são os transplantes de medula óssea, um procedimento clínico que já é feito há cerca de cinqüenta anos; e o transplante de medula óssea é um transplante de células-tronco, células essas que são responsáveis pela “fabricação” do sangue. Então, quando alguém tem, por exemplo, uma leucemia, uma das formas de tratamento é através do transplante de medula óssea, e desde 950 que isso é feito. Por enquanto, esse é o único tratamento com células-tronco que é consolidado na medicina, esse é o único tratamento com base em células-tronco que um médico pode receitar para seu paciente. Tudo o resto – lesão de medula, doença cardíaca, AVC – ainda é experimental – refere Lygia Pereira.

Segundo a pesquisadora, para a Doença de Parkinson, por exemplo, ainda se está na fase de testes em camundongos, enquanto que em outras doenças já se avançou um pouco mais, tendo-se entrado na fase de testes em humanos:
 De vez em quando aparece nos jornais, principalmente na TV, títulos como este: “paciente cardíaco tratado com células-tronco sai da fila de transplantes”; essa noticia é maravilhosa, contudo, esse paciente faz parte de um grupo grande de pacientes que está sendo testado, ou seja, ele faz parte de um experimento. Um resultado positivo conta pouco, o que temos de ver é quantos pacientes melhoraram com a introdução das células-tronco, versus os que não foram tratados com elas. Esse paciente melhorou por coincidência, por mero acaso, ou foi graças às células-tronco?… Tudo isto é muito mais complexo do que aquilo que a mídia divulga. O importante é as pessoas saberem que, apesar de em algumas áreas nós já termos avançado muito, o certo é que nenhum médico sério pode oferecer tratamentos com células-tronco para nenhuma das doenças que falamos atrás, porque isso ainda está em fase de experimentação, de pesquisa – sublinha Lygia Pereira.

 Quando questionamos a pesquisadora sobre quanto tempo demorará até se conseguir ter respostas concretas, Lygia foi incisiva:
 Bem, isso vai depender da área de pesquisa. Os tratamentos com células-tronco têm diferentes “velocidades”, conforme o tipo de doença. Por exemplo, no caso da diabetes auto-imune – em que o paciente tem essa doença porque seu sistema imunológico ataca suas células do pâncreas -, o Prof. Júlio Voltarelli, da USP de Ribeirão Preto, está tendo resultados muito bons nos testes que estão sendo feitos em humanos, aplicando células-tronco. Então, o tratamento para esse tipo de doença está mais avançado, está mais próximo de uma realidade clínica: mas, atenção, estar mais próximo não significa que existe uma certeza de que esse tratamento vai virar uma realidade clínica. Contudo, esses estudos do Prof. Voltarelli estão, de fato, muito avançados e estão muito perto de virar tratamento. Outras doenças, como, por exemplo, lesão de medula e paralisia, nós ainda não vimos nenhum resultado animador nos testes feitos em humanos. Foi aprovado, nos Estados Unidos, recentemente, um ensaio clínico utilizando células-tronco embrionárias e vamos ver se elas funcionam para esses tipos de doenças. As doenças do sistema nervoso são bem mais complexas, daí que você tenha velocidades diferentes na aplicação das células-tronco – enfatiza a pesquisadora.

Lygia Pereira não arrisca dizer em quanto tempo se poderá ter respostas concretas e positivas na aplicação de células-tronco para determinadas doenças:
Há dez anos eu dizia que demoraria dez anos para haver uma evolução concreta e estamos neste estágio: hoje eu não vou dizer que espero ter respostas positivas daqui a dez anos. Eu entendo a expectativa e urgência dos pacientes e de seus familiares, mas a pesquisa séria, além de ser audaciosa, tem que ser cautelosa e por isso eu digo que estamos na fase da promessa, bem embasada, com muitos testes promissores. Vamos aguardar – remata a conferencista.

Quando questionada sobre o crescimento da ciência brasileira na última década, Lygia Pereira mostrou-se cautelosa, tendo referido que só poderia falar em relação à sua área de pesquisa, já que para falar em termos globais teria que abordar outras áreas do conhecimento, como psicologia ou sociologia, que estão fora do seu escopo. Contudo, a cientista refere que o que aconteceu nos últimos anos foi que a ciência brasileira teve um apoio muito consistente do Governo Federal, embora sublinhe que o Estado de São Paulo seja um caso à parte:
De fato, o Estado de São Paulo tem a FAPESP, que possui um nível de excelência extraordinário e que se mantém inalterável. Foi por causa da FAPESP que eu troquei o Rio de Janeiro por São Paulo, em 1995, e não é fácil para uma carioca dizer isto. Para fazer ciência eu teria que vir para São Paulo, depois de ter passado um período de tempo na “Disneylândia” dos cientistas – Estados Unidos. Então, a FAPESP é uma organização que segue aquele nível de excelência que todo o pesquisador procura. Na verdade, o que eu notei na última década foi que existiu uma maior consistência nos financiamentos oriundos do Governo Federal, principalmente na área das células-tronco. Por outro lado, onde notei que não houve avanço algum foi na burocracia instalada, principalmente na questão da importação de material e de reagentes. Por exemplo, 95% dos reagentes que os cientistas utilizam em seus laboratórios são importados e, em ciência, você precisa ter agilidade: ou seja, se você tem uma idéia nova, uma nova hipótese ou caminho para um trabalho experimental que está sendo desenvolvido, em que é necessário utilizar novos reagentes, é fundamental haver agilidade. Se eu quero fazer ciência de “gente grande” – como se faz nos EUA e na Europa – eu tenho que ter agilidade. Os pesquisadores europeus e americanos têm os reagentes necessários no dia seguinte a fazerem o pedido. Mesmo com o dinheiro na mão, eu só consigo em dois meses – e com alguma sorte – ter o reagente que me faz falta e isso é de uma frustração enorme para qualquer pesquisador, destruindo qualquer intenção científica. Se eu tiver que esperar – na melhor das hipóteses – dois ou três meses para fazer um experimento, então é melhor desistir, pois ele já estará defasado, ultrapassado. Se quisermos ter pretensões de fazer ciência de primeiro mundo, temos que ter agilidade. Nós temos toneladas de excelentes idéias, temos milhares de cientistas bons e é extremamente frustrante termos toda essa capacidade e criatividade e ficarmos esbarrando em besteiras - refere Lygia Pereira.
Continua....

2 comentários:

  1. ola!sou mae do pequeno felippe de 2 anos e 4 meses,com a doença de astrofia espinhal tipo 1 eu gostaria de saber si oFELIPPE pode participar de algum congresso de voceis.responda-me

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  2. Olá Felippe!
    Seja bem-vindo ao nosso convívio.
    Mãe, convido vc a entrar no site www.comunidadeelabrasil.ning.com e se cadastrar.
    A palavra chave é lou gehrig.

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