quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Entrevista com a Drª Lygia da Veiga Pereira (Parte 2)

Continuação...

Para a pesquisadora da USP, as questões burocráticas são um enorme empecilho ao desenvolvimento científico brasileiro e o país perde aí toda sua vantagem competitiva. E Lygia vai mais longe, ao questionar:
Como é que queremos atrair gente de fora (pesquisadores e alunos de pós-graduação) se eles, ao chegar aqui, vão esbarrar com um montão de regras burocráticas inúteis? O meu empregador – o Governo – está me dando dinheiro para eu fazer pesquisa, para fazer Ciência, e é ele próprio o criador de uma série de dificuldades que impede que eu realize o trabalho que ele me encomendou – um trabalho que é um investimento público. No meio disto tudo, a boa notícia é que tudo aquilo que eu acabo de dizer está dependente de vontade política. Não se trata de dar mais dinheiro para a Ciência e Tecnologia: o que se trata é de, com o mesmo dinheiro, o Governo pode criar mecanismos para facilitar a vida do pesquisador, já que esse dinheiro poderá gerar muito mais produtividade. Veja a oportunidade que este novo Governo tem de realmente entrar para a história da Ciência brasileira! Se houver vontade política, principalmente no que diz respeito à importação de materiais e contratação de pessoal técnico e de apoio, o cientista ficará com sua vida facilitada, será mais ágil no desenvolvimento de seus experimentos, acrescenta a cientista.
Atendendo a que 99% da ciência do Brasil é feita nas universidades – estaduais e federais –, Lygia Pereira critica fortemente o sistema, principalmente na necessidade de abrir morosos concursos públicos e da criação de vagas para admissão de novos pesquisadores, considerando essa regra como uma burocracia inútil: 
O Brasil está formando milhares de pesquisadores e as universidades estão impedidas de absorver essa mão de obra altamente qualificada, devido à burocracia. É preciso que se formem mais profissionais e menos funcionários públicos para a ciência brasileira; deverá haver mais meritocracia, pois, atualmente, quem é bom pesquisador, ou técnico, ganha o mesmo de quem é ruim. Outra coisa aberrante é a falta de infraestrutura administrativa, em que um pesquisador tem que parar o que está fazendo para, por exemplo, fazer contabilidade, aceder a pedidos, tratar da correspondência, escrever cartas, até colocar papel toalha no laboratório, etc. Isso é um absurdo. Todos esses serviços – que são importantes e mesmo indispensáveis – devem ser executados por pessoal administrativo e de apoio devidamente capacitado e não pelos cientistas, que têm que pensar e trabalhar em ciência, pois é para isso que são pagos, acrescenta Lygia Pereira.
Na opinião da cientista, a ciência brasileira avançou na última década, mas não da forma espetacular como a mídia enfatizou. Para Lygia Pereira, os principais destaques da ciência nacional estiveram quase sempre atrelados a grupos de cientistas que trabalham no exterior e que estabelecem parcerias fantásticas com colegas brasileiros, ou então graças a pesquisadores brasileiros que vão trabalhar para fora e que têm chance de desenvolver com rapidez os seus experimentos. Quanto ao futuro, a pesquisadora da USP tem esperança que o Governo quebre as dificuldades:


De fato, penso que os avanços da ciência brasileira, na última década, foram muito modestos face ao potencial que o país tem. A minha expectativa, para um futuro a curto e médio prazo, é que o Governo comece a ouvir todas as questões que impedem o desenvolvimento científico nacional. Existe um movimento dentro da comunidade científica nacional que quer mostrar aos governantes que “o rei vai nu”: fazem-se pesquisas, publicam-se papers… mas é obrigação do Governo reparar quais são as condições de trabalho que os pesquisadores brasileiros têm… A comunidade científica vai começar a reclamar, mas de uma forma construtiva, com diálogo, apontando os desperdícios de dinheiro público e de energia. A mídia já está dando espaço para essas reclamações, já virou assunto de pauta, e eu estou muito esperançada que este novo Governo veja aí uma oportunidade para, sem botar a mão no bolso, melhorar muito as condições de pesquisa no país, enfatiza a cientista.
Dando como exemplo a enorme distância que ainda separa a ciência brasileira da ciência americana, dentro de sua área de pesquisa, Lygia Pereira refere que o intervalo tecnológico, na área de genética, por exemplo, é cada vez maior. Nos anos 80/90 apareceram no mundo centenas de grupos que se uniram para seqüenciar o genoma humano, tendo demorado cerca de quinze anos para fazer isso. Hoje já existem máquinas que seqüenciam o genoma humano em um mês:
Basta ver de que forma é tratado o processo de aquisição de um equipamento como esse – ou similar – no Brasil. O equipamento chega no nosso país e aí assistimos a uma verdadeira novela para que ele seja liberado pela alfândega. Depois, seja qual for o instituto para que esse equipamento se destine, ele chega e os pesquisadores têm, desde logo, que pensar em ultrapassar e arranjar alternativas para a péssima assistência técnica que a maioria das empresas brasileiras fornece, porque o pesquisador responsável não pode contratar um técnico ou mandá-lo ao exterior para se especializar, enfim, é de chorar. Você tem uma máquina super complexa e até esse equipamento começar a funcionar plenamente você já perdeu a cabeça e fica com um elefante branco no laboratório: quando chegar o momento dessa máquina começar a gerar resultados, ela já estará obsoleta e você jogará fora uma fortuna. Teria ficado mais barato você ter enviado seu experimento para uma empresa terceirizada na China. Então, dadas as condições que temos no Brasil, eu pergunto: o que é mais importante, por exemplo, dentro da genética? Fazer um seqüenciamento, ou saber interpretar uma sequência? Vale a pena terceirizarem-se essas técnicas mais sofisticadas, já que estamos fadados a comprar equipamentos mais caros, sem termos a garantia de uma assistência técnica nacional qualificada e ágil? Temos que pensar seriamente em tudo isso. Por exemplo, o Projeto Genoma, da FAPESP, foi uma iniciativa sensacional, mas talvez se tenha perdido ali uma oportunidade. Será que é mais importante a gente criar toda uma infraestrutura de laboratórios capazes de seqüenciar DNA, ou ter-se criado, ao mesmo tempo, uma infraestrutura equivalente de bioinformática, com gente capaz de interpretar essas sequências? Nós temos uma falta enorme de bioinformáticos no Brasil. Criou-se uma infraestrutura enorme, em termos de seqüenciamento, sem geração de matéria-prima – que é a informação que você tira dessa sequência – e é isso que faz a diferença, porque a tecnologia está tomando uma dimensão enorme na ciência, esclarece Lygia Pereira.
Na reta final desta conversa, Lygia Pereira refere que se deveria parar para pensar direito no que é de fato importante. Para a cientista, as pessoas têm preconceitos em terceirizar experimentos, enquanto nos EUA e na Europa isso é um lugar comum. Todas as universidades dos EUA têm laboratórios fora de seus campi para processarem uma série de técnicas e dar um suporte eficaz aos experimentos científicos, dando os resultados, as interpretações: para a nossa entrevistada isso é que é importante para um cientista.
Quando pedimos para Lygia Pereira deixar uma mensagem para seus colegas pesquisadores, ela rematou:
A mensagem que eu deixo para meus colegas cientistas é a seguinte: Parabéns!… Vocês são heróis!

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Data: sáb, 26/03/11 – 19:07
Rui Correia Sintra – Jornalista (SINC DO BRASIL)

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